Em 15 de Setembro de 2010, o GEAB nº 47 intitulava: "Primavera de 2011: Welcome to the United States of Austerity / Rumo ao enorme pânico do sistema económico e financeiro mundial". No entanto, no fim do Verão de 2010, a maior parte dos peritos considerava, por um lado, que o debate sobre o défice orçamental dos EUA permaneceria um simples objecto de discussões teóricas no seio da Beltway
[1] ; por outro, que era impensável imaginar os Estados Unidos a lançarem-se numa política de austeridade uma vez que bastaria ao Fed continuar a imprimir dólares. Ora, como todos podem constatar desde há várias semanas, a Primavera de 2011 trouxe a austeridade aos Estados Unidos
[2] , a primeira desde a Segunda Guerra Mundial, e o estabelecimento de um sistema global fundado na aptidão do motor americano a gerar sempre mais riqueza (real nos anos 1950-1970, depois cada vez mais virtual a partir desta data).
Nesta fase, o LEAP/E2020 está pois em condições de confirmar que a próxima etapa da crise será realmente a "Enorme ruptura do sistema económico, financeiro e monetário mundial"; e que esta ruptura acontecerá no Outono de 2011
[3] . As consequências monetárias, financeiras, económicas e geopolíticas desta "Enorme ruptura" serão de uma amplitude histórica e farão a crise do Outono de 2008 parecer aquilo que ela realmente foi: um simples detonador.
A crise no Japão
[4] , as decisões chinesas e a crise das dívidas na Europa certamente desempenharão um papel nesta ruptura histórica. Em contrapartida, consideramos que a questão das dívidas públicas dos países periféricos da Eurolândia não é mais o factor de risco dominante na Europa, mas que é o Reino Unido que se encontra na posição do "doente da Europa"
[5] . A zona Euro pôs em acção e continua a melhorar todos os dispositivos necessários para tratar destes problemas
[6] . A gestão dos problemas grego, português, irlandês, ... será feita portanto de maneira organizada. Investidores privados deverão arcar com descontos (como antecipado pelo LEAP/E2020 antes do Verão de 2010)
[7] mas isso não pertence à categoria dos riscos sistémicos, o que desagrada o
Financial Times, o
Wall Street Journal e peritos da Wall Street e da City que tentam a cada três meses refazer o "golpe" da crise da zona Euro do princípio de 2010
[8] .
Em contrapartida, o Reino Unido fracassou completamente na sua tentativa de "amputação orçamental preventiva"
[9] . Com efeito, sob a pressão da rua e nomeadamente dos mais de 400 mil britânicos que enchiam as ruas de Londres em 26/02/2011
[10] , David Cameron viu-se obrigado a rever em baixa seu objectivo de redução das despesas de saúde (um ponto chave das suas reformas)
[11] . Paralelamente, a aventura militar líbia obriga igualmente a rever seus objectivos de cortes orçamentais no Ministério da Defesa. Já havíamos indicados no último GEAB que as necessidades de financiamento público britânico continuavam a aumentar, sinal da ineficácia das medidas anunciadas cuja execução na realidade revela-se muito decepcionante
[12] . O único resultado da política do tandem Cameron/Clegg
[13] é por enquanto a recaída da economia britânica na recessão
[14] e o risco evidente de implosão da coligação no poder na sequência do próximo referendo sobre a reforma eleitoral.
Neste GEAB nº 54, nossa equipe dedica-se pois a descrever os três factores-chave que determinam esta Enorme Ruptura global do Outono de 2011 e suas consequências. Paralelamente, nossos investigadores começaram a antecipar a evolução da operação militar franco-anglo-americana na Líbia que consideramos ser um poderoso acelerador do deslocamento geopolítico mundial e esclarece utilmente certas mudanças tectónicas agora em curso nas relações entre grandes potências mundiais. Além disso, no Índice GEAB $, desenvolvemos as nossas recomendações para enfrentar os perigosos trimestres que estão para vir.
Fundamentalmente, o processo que se desenrola sob os nossos olhos, e de que a entrada dos Estados Unidos numa era de austeridade
[15] é uma simples expressão orçamental, não é senão a sequência do apuramento dos 30 milhões de milhões de activos fantasmas que invadiram o sistema económico e financeiro mundial no fim de 2007
[16] . Se cerca da metade deles havia desaparecido durante 2009, eles em parte ressuscitaram desde então pela vontade dos grandes bancos centrais mundial e em particular pela Reserva Federal dos EUA e suas "Facilidades quantitativas 1 e 2"
("Quantitative Easings 1 e 2"). Ora, nossa equipe estima que são 20 milhões de milhões destes activos-fantasmas que se vão desvanecer em fumo a partir do Outono de 2011, e de um modo muito brutal sob o efeito conjugado das três mega-crises estado-unidenses em gestação acelerada:
- a crise orçamental, ou como os Estados Unidos mergulham de bom grado ou à força nesta austeridade sem precedentes e vão com isso arrastar panos inteiros da economia e das finanças mundiais
- a crise dos Títulos do Tesouro dos EUA, ou como a Reserva Federal atinge o "fim do caminho" encetado em 1913 e terá de enfrentar a sua falência qualquer que seja a camuflagem contabilística escolhida
- a crise do dólar americano, ou como os sobressaltos da divisa dos EUA que vão caracterizar a travagem da Quantitative Easiang 2 no segundo trimestre de 2011 serão as premissas de uma desvalorização maciça (da ordem dos 30% em algumas semanas).
Bancos centrais, sistema bancário mundial, fundos de pensão, multinacionais, matérias-primas, população americana, economias da zona dólar e/ou dependentes das suas trocas com os Estados Unidos
[17] , ... este é o conjunto dos operadores estruturalmente dependentes da economia dos EUA (de que o governo, o Fed e orçamento federal tornaram-se os componentes centrais), dos activos denominados em dólar ou das transacções comerciais em dólares que vão sofrer o choque frontal de 20 milhões de milhões de activos-fantasmas a pura e simplesmente desaparecerem dos seus balanços, das suas aplicações e provocando uma grande baixa nos seus rendimentos reais.

Em torno deste choque histórico do Outono de 2011, que marcará a afirmação definitiva das tendências fortes antecipadas por nossa equipe nos GEAB anteriores, as grandes categorias de activos vão experimentar grandes turbulências exigindo uma vigilância acrescida de todos os operadores preocupados com os seus investimentos e aplicações. Com efeito, esta tripla crise estado-unidense marcará a verdadeira saída do "mundo após 1945" que viu os Estados Unidos desempenharem o papel de Atlas e será portanto marcada por choques e réplicas múltiplas no decorrer dos trimestres que se seguirão.
Exemplo: o dólar pode experimentar a curto prazo efeitos que reforçam o seu valor em relação às principais divisas mundiais (nomeadamente se as taxas de juros dos EUA elevarem-se muito rapidamente após o fim da Quantitative Easing 2), mesmo que, ao cabo de seis meses, sua perda de valor de 30% (em relação ao seu valor actual) seja inelutável. Não podemos portanto senão repetir o conselho figura à cabeça das nossas recomendações desde o princípio dos nossos trabalhos sobre a crise: no quadro de uma crise global de amplitude histórica como esta que atravessamos, o único objectivo racional para os investidores e os poupadores não é ganhar mais, mas sim tentar perder o menos possível.
Isso vai ser particularmente verdadeiro para os próximos trimestres em que o ambiente especulativo vai-se tornar altamente imprevisível no curto prazo. Esta imprevisibilidade a curto prazo tem a ver nomeadamente com o facto de que as três crises americanas que desencadearão a Enorme Ruptura mundial do Outono não estão sincronizadas. Elas estão estreitamente correlacionadas mas não de maneira linear. E uma dentre elas, a crise orçamental, está directamente dependente de factores humanos muito influentes no calendário do seu desenrolar; ao passo que as duas outras (seja o que for que pensem aqueles que vêem nos responsáveis do Fed deuses ou diabos
[18] ) doravante no essencial estão inscritas nas tendências fortes em que a acção dos dirigentes americanos tornou-se marginal
[19] .
A crise orçamental, ou como os Estados Unidos mergulham de bom grado ou à força nesta austeridade sem precedente e vão arrastar vastos sectores da economia e das finanças mundiais.
Os números podem dar vertigens: "6 milhões de milhões de cortes orçamentais em dez anos"
[20] , diz o republicano Ryan, "4 milhões de milhões em doze anos", replica o já candidato para 2012 Barack Obama
[21] , "tudo isso está longe de ser suficiente" agrava uma das referências do Tea Parties, Ron Paul
[22] . E de qualquer modo, sanciona o FMI, "os Estados Unidos não são críveis quando falam em reduzir seus défices"
[23] . Esta observação inabitualmente brutal do FMI, tradicionalmente muito prudente nas suas críticas aos Estados Unidos, é particularmente justificada em relação ao psicodrama que, por causa de um punhado de dezenas de milhares de milhões de dólares, quase fechou o estado federal por falta de acordo entre os dois grandes partidos. Um cenário que vai igualmente reproduzir-se proximamente a propósito do tecto de endividamento federal.
O FMI não faz senão exprimir uma opinião amplamente partilhada pelos credores dos Estados Unidos: se por causa de algumas dezenas de milhares de milhões de dólares de redução dos défices o sistema político americano atinge um tal grau de paralisia, o que se vai passar quando nos próximos meses vão-se impor reduções de várias centenas de milhares de milhões de dólares por ano? A guerra civil? Esta é a opinião em todo caso do novo governador da Califórnia, Jerry Brown
[24] , o qual considera que os Estados Unidos enfrentam uma crise de regime idêntica àquela que conduziu à Guerra de Secessão
[25] .

O contexto portanto já não é de simples paralisia mas antes de uma confrontação geral entre duas visões do futuro do país. Quanto mais a data das próximas eleições presidenciais (Novembro de 2012) se aproximar, mais a confrontação entre os dois campos irá intensificar-se e desenrolar-se com desprezo para com todas as regras de boa conduta, incluindo a salvaguarda do interesse geral do país: "Os deus tornam loucos aqueles que eles querem perder" diz Ulisses na Odisseia. A cena política washingtoniana vai assemelhar-se cada vez mais a um hospital psiquiátrico
[26] nos próximos meses, tornando cada vez mais provável, tornando cada vez mais provável "decisões aberrantes".
Se, para se tranquilizarem acerca do dólar dos Títulos do Tesouro, os peritos ocidentais repetem em uníssono que os chineses seriam loucos em se desembaraçarem destes activos o que não faria senão precipitar a queda de valor, é porque ainda não compreenderam que é de Washington e dos seus comportamentos erráticos que pode vir a decisão que precipitará esta queda. E Outubro de 2012, com a sua votação tradicional do orçamento anual, vai proporcionar o momento ideal para esta tragédia grega que, segundo nossa equipe, não terá
happy end pois não é Hollywood e sim o resto do mundo que vai escrever o cenário seguinte.
Seja qual for o caso, por decisão política deliberada, por encerramento do governo federal ou por pressões externa irresistíveis
[27] (taxa de juros, FMI + Eurolândia + BRIC
[28] ), é certamente no Outono de 2011 que o orçamento federal dos EUA se vai contrair maciçamente pela primeira vez. O prosseguimento da recessão conjugado com o fim da Quantitative Easing 2 vai fazer subir as taxas de juros e portanto aumentar consideravelmente o serviço da dívida federal, num fundo de receitas fiscais em baixa
[29] por causa da recaída numa recessão forte. A insolvência federal doravante está logo ali na esquina segundo Richard Fisher, o presidente da Reserva Federal de Dallas
[30] .
A sequência no GEAB (para assinantes):
- a crise dos Títulos do Tesouro dos EUA, ou como a Reserva Federal atingiu o "fim do caminho" encetado em 1913 e deve enfrentar a sua falência seja qual for a camuflagem contabilística escolhida
- a crise do dólar americano, ou como os sobressaltos da divisa estado-unidenses que caracterizarão a travagem da Quantitative Easing 2 no segundo trimestre de 2011 serão as premissas de uma desvalorização maciça (da ordem dos 30% em algumas semanas).